dois poemas de gabriela barretto

8:51

Falo do suco de abacaxi-com-erva-cidreira que tomei
naquela manhã
de quinta-feira
falo do verde-cor-de-parede-de-casa-de-praia
que me matou
a sede
me encheu a boca de espuma
do mar
falo de sorver o
sumo
suculento que
desceu redondo pela minha garganta esôfago estômago vísceras carne
coração
Falo de tudo isso
e só

[sem título]

um
corpo
só meu
corpo
e o
seu

meu corpo mais antigo que as
Pirâmides de Gizé hoje habita
uma redoma de vidro e gelo
com princesas bonecos de
neve e outros seres que não
existem

presa aqui sou reduzida ao desejo
incandescente de ter as minhas pernas
cravadas nas suas no meio da noite te
acordar com sussurros na orelha e sair
deixando não mais que uma marca
vermelha

penso em você pensando
é amor? não, meu bem
mera ferramenta de
reprodução você acabou
de chegar já eu vivo uma
vida inteira em um mês

no fim o princípio
fogo e trevas a
janela deixada
aberta o cárcere se
espatifa eu flutuo
sem rumo e
encontro em vez do
calor do seu corpo
as chamas do fogão


Gabriela Barretto é atriz, performer, garçonete e escritora.