Dois poemas de Laís de Aquino
Reiterações sobre um tema
o vento no canavial
as bandeirinhas de Volpi
os leões que Hokusai desenhou todos os dias
por 219 dias até morrer
a forma não se atinge nunca
na reiteração das coisas no tempo
as coisas – elas mesmas
são outras e tu
outro és
e o café as camisas brancas o assoalho da casa,
o qual pisaste e tornarás a pisar,
numa configuração nunca idêntica,
porque a madeira desbota e teus cabelos vão a cinza
viver – eis a fissura
é estar inacabado até o fim
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Vida de campo
quando chega ao campo, minha vó logo
se deixa ficar ao terraço, à cadeira de balanço,
os pensamentos para cá e para lá
como a gente descansa nessa paragem do tempo
verde, quando faz chuva, nos meses de junho a agosto
nos demais meses o mato fica seco
a gente descansa nessa paragem do tempo
e eu lhe digo que do pouco que faço
também descanso
um dia me deixarei ficar toda a semana
morarei aqui
com meus cachorros, o rumorejo das árvores
ao vento e toda a saparia
minha vó ri e diz é tão bom
nem precisa de gente
eu rio e repito nem precisa
de gente
ao longe, em uma estrada que meu olhar alcança,
um ruído de motor de carro
minha vó fala sobre o silêncio
e sua voz e o silêncio se confundem
no campo, o vento é o maestro de todas as coisas
de tudo que rege,
o ar, o balanço das palmeiras, o voo
dos pássaros e sua fala de canto,
de tudo isto, sobe o silêncio
e no corpo adentra – imenso
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Laís Araruna de Aquino nasceu no Recife, em 1988. Estudou Direito na Universidade Federal de Pernambuco. É Procuradora do Município e poeta.
Lindo demais Laís, linguagem leve como um rio manso correndo.