“Penélope pauliceia”, conto de Ana Clara Squilanti

Tanto faz ele como outro, pensei depois que ele me beijou debaixo do ponto de ônibus, eu queria isso, ainda que não aceitasse, eu queria um pedido queria a formalidade, aliança no anelar esquerdo, dourada, acompanhada de um anel com brilhante, pequeno, que fosse, falso, que fosse, mas que anunciasse para os outros que se aproximassem que eu já tinha dono, anunciasse para as outras que alguém havia me assumido, havia me quisto a ponto de propor um contrato, amor de papel passado, minha flor, ele disse, o sol ressoa para você mas era baboseira apaixonada, era noite, no máximo um poste iluminava a gente, sozinhos no ponto, iluminava mais eu porque estava mais branca do pó que eu passei na cara, outra besteira que inventam que a gente precisa e a gente questiona mas depois aceita, assim como esse casamento que eu disse sim quando ele pediu, depois de falar minha flor, o sol ressoa para você, minha flor de montanha, o Leopoldo nunca viu uma flor de montanha, nunca saiu de São Paulo o Ibirapuera é o máximo que ele conhece de mato, flor da montanha, ele leu livros demais e aí imagina que está em Dublim ou em Paris e que é romântico pedir a namorada em casamento na rua, o viaduto vazio a essa hora da noite, minha flor da montanha, se fosse margarida ou crisântemo, girassol, o girassol vive em busca do sol, aí faria sentido, o sol ressoar para mim e eu viver em função dele, mas as flores da montanha, nem sei que espécies nascem nas montanhas que mal existem no Brasil, aqui não há altitude aqui não faz frio, no máximo esses dez graus que o relógio ao lado do ponto marca, esses dez graus que fizeram a gente sair do cinema e não andar de mão dada, andar com as mãos dentro do bolso do casaco para manter mais quente, achei que era por isso que ele não segurava a minha enquanto caminhamos do shopping até o começo do Minhocão, eu também li livros demais e revistas demais e vi filmes demais, por isso disse sim, esquecendo que meus pais e dos meus amigos vivem casamentos horríveis e até alguns amigos que se casaram ano passado já se separaram, eu disse sim quando a gente chegou no ponto e viu no termômetro que marcava dez graus que meu ônibus chegava em quatro minutos, o último da noite, o último momento que Leopoldo teria para pedir minha mão, a mão que ele não segurou e foi dentro do casaco durante todos os passos que demos, achei que ele estava estranho, achei que ia querer terminar quando falou preciso te falar uma coisa, mas não, o coitado escolheu o filme a poltrona, comprou pipoca e eu não quis comer, nenhuma?, não, nem um pouco? não, amor, não, estou um pouco enjoada e ele ficou tenso o filme todo, a aliança no meio do pote, envolta em sal e manteiga, ele tirou dali e pôs no bolso do casaco rápido para eu não ver, não vi, nem desconfiei, e ele veio segurando a aliança o tempo todo na mão pensando que ainda tinha que pedir hoje, tenso se daria tempo, tenso de que gancho usaria para fazer o pedido, tenso se haveria mais gente no caminho, vai que alguém nos assalta antes de ele propôr, mais tenso com tudo isso que com a minha resposta, ele sabia que eu diria sim, será que eles sempre sabem que a gente vai dizer sim? tão previsível assim, como é que se decide que com essa vai ficar, como se apostam as fichas, se investe o dinheiro no anel, de pedra falsa, que seja, é dinheiro, será que Leopoldo agiu como eu, tanto faz ela como outra, tanto faz ele como outro, foi o que pensei depois que ele pediu e antes de beijá-lo, acho que pensei enquanto eu sorria de surpresa e ele sorria aliviado, o anel de pedra que parecia verdadeira engordurado brilhando por causa da luz do poste, pensei, é, acho que é isso, acho que é ele, com quem ficamos é mais questão de timing que de paixão, mais questão de timing que de tesão, e eu acho que a gente fez a escolha certa, pelo menos por agora, porque pedi para ele perguntar de novo a caminho desse beijo, perguntei para ter certeza do que havia ouvido enquanto ele enfiava a mão no bolso e via no relógio o 875A-10 a três minutos de distância e abria a boca para dizer minha flor de montanha, eu, que nunca gostei de pronomes possessivos quando se fala de amor, eu disse sim mais uma vez quando ele repetiu, eu acho que a gente fez a escolha certa porque quando puxei ele para perto e enlacei ele com meus braços, meus seios contra os dele, duros, contraídos, de excitação, eu quis acreditar, ainda que provavelmente fosse de frio, e senti seu perfume, o da pele e o não que se espirra, e ele sentiu o meu e aquele cheiro me pareceu bom, um cheiro conhecido um cheiro confortável, leve, um cheiro que eu sentiria para sempre, é para isso que nos casamos, não é, para nos desafiarmos a fazer durar para sempre, e aí um peito contra o outro os cheiros misturados o coração dele disparado feito louco, disparado como o meu, de felicidade, eu quis acreditar, e não de medo, eu disse sim, para mim, ele não conseguiu ouvir dessa vez, eu disse sim, me convencendo, eu quero Sim.


Ana Clara Squilanti é nonononon no ono onoon onono on ono no on ono ono ono on ono on onono onon ono on ono onooo on ono onoono noon ono no ononoonono on onoono n.