1.
terra terra terra à vista
eis as boias de ancoragem
como cruzes fincadas num campo
fileira de carimbos e assinaturas,
papéis amassados e retratos 3×4
o passe-partout para a fronteira
do futuro
on y est
on arrive
mais là-bas
on ne parle pas lingali
o sol é inimigo dos humanos,
desce como faca no rosto
dos que dormem
na proa
no sonho dos que flutuam
as rubras anêmonas na relva
são raros sopros de beleza
logo é preciso acordar
e colar os cacos do dia:
unhas e cachos de cabelo
são os sobreviventes no espólio,
remendos de um país
que sangra e infecciona
2.
temos a herança do corte
na boca os espinhos da fome
e ainda assim
entre uma onda e outra
o espanto da estrela
estoura no céu
e o craveja com flores de aço
3.
Onde não cabe sombra
nem raiz sequer
no descampado desse lugar,
onde não cabe flor
nem pedra no chão:
o vazio que nos cerca
nessa tarde enfurecida
e calma, sob um céu que não
sabe contar sua idade:
só o galho geme na fenda do tronco,
na ferida invisível que o vento
toca e enruga
onde nem pássaro se atreve a pousar.
Prisca Agustoni nasceu na Suíça e vive no Brasil. É poeta, tradutora e professora de Literatura italiana na Universidade Federal de Juiz de Fora. Escreve e se autotraduz em italiano, francês e português. Suas publicações mais recentes em poesia são Casa dos ossos (Macondo, 2017), semifinalista Prêmio Oceanos, L’ora zero (Italia, Lietocolle Gialla, 2020) e O mundo mutilado (Quelônio, 2020).