O granito é preto e dá pra ver a espuma invadindo os cantos, as beiras, a esquina e a encruzilhada. Estava vazando, a gente colocou uma espécie de cola plástica que ficou feia, parece chiclete usado, e continua pingando: a água escorre pela parede e não dá para secar. Pequenas manchas de mofo azulado já aparecem, viu só. Também a bancada da pia é inteira reta, não há um reparo para água nenhuma e o escorredor, enfim, a louça molhada a água cai, e cai no granito, e escorre, e cai no chão, e daí então o chão também vive molhado e às vezes eu piso com o pé sujo ou o chinelo e formam-se pegadas que atravessam a casa inteira. O chão também está sujo, mas não vai embolorar porque o chão não fica atrás da pia e a gente consegue esfregar, comprei um mop, na quarentena.
Um mop é um esfregão americano que limpa sem dar trabalho. Depois comprei outro, mas o modelo melhor eu ainda não tenho e o pano funciona melhor, mas quem tem saco, tempo não sei. A gente tem que ir ao tanque, torcer, ter balde e eu não sei tirar manchas, não sei. O escorredor de louça é todo vazado, pinga e a água cai no chão, coloca um pano e fica nojento, o pano molhado e os copos e a tigela. Coloca a tigela virada para baixo, e os copos, senão não seca, fica aquela poça de água na tigela no copo, não seca, emborca, emborca e a cada vez. Como se não bastasse. A tigela virada para cima. Sempre, como se prestes a receber um novo sucrilhos. Não seca assim, olha só, a água fica, não tem por onde escorrer, e toda vez. Então era ela, ela mesma que tinha que secar, o pano de prato úmido, o mesmo pano para as mãos, a chaleira, a louça. Estampa de morangos. Silvestres.
Ela secava e mesmo quando às vezes havia três panos de prato da cozinha, como saber qual de qual e todos estavam sempre úmidos, anyway.
A água acumulada no fundo da tigela, como seca se não emborcou e como guardar se não secou, olha só, tem lógica. A tigela molhada no armário, um tanto de água no fundo e todas empilhadas, umas sobre as outras, umidade e mofo.
Uma vez uma amiga veio jantar estava linda com uma blusa branca de linho e colocou o prato no colo e havia mofo embaixo do prato, um prato artesanal que ganhamos de presente de casamento e que nunca ficou realmente seco. Ficou um círculo verde azulado no vestido de linho. Na parte dos quadris, só que na frente.
Quem guarda a louça no armário, quantas vezes você já guardou e no dia seguinte, a mesma tigela molhada, um gesto de mão, uma atenção, olha: vira, para baixo, fica tudo certo, seca a louça direito, mas não. Você não entendeu, que importância tem, que importância tem é só uma tigela eu lavei, mas se não seca de que adianta, sem falar no ralo.
De manhã as tigelas, o ralo. Lavei a louça, amor – como quem espera um prêmio. Um Oscar. Grammy Awards. O mofo atrás da pia agora estava ganhando uma nova coloração amarelada, e se espalhava, será que dava para sentir o cheiro? E no ralo o alface cortado, grãos de arroz misturados ao pó de café, e sementes de mamão. Fios de cabelo. Você só olha o ralo, não olha a louça que eu lavei, poxa. Tigela. Virada pra cima. E a espuma. Ilhas de espuma. Pelo granito preto. Usa o rodinho, porra. Rodinho de pia. Limpa. Joga uma água. A espuma suja do detergente usado. Espalhada sobre a pia. Na cumbuca. Tigela, a porra do bowl. Lavei a louça, amor – o sorriso de orgulho estampado na cara, os dentes cheios de espuma, da pasta de dente, sempre fica um pouco, que ele não enxágua direito, a espuma não limpa, amor, vem dar um beijo, o rodinho, a espuma, o ralo.
Luana Chnaiderman é formada em Letras pela USP, onde também fez Mestrado. É professora de Português e dá cursos e oficinas de escrita criativa. Publicou, entre outros, Os animais domésticos e outras receitas (Perspectiva, 2018), finalista do Jabuti; Fuga (FTD, 2017), também publicado na Colômbia (Novas Ediciones, 2020); e Minhocas (Cosac & Naif, 2014).