“pela pedra”, conto de Helimar

Eu me preparava pra dar banho nas formigas quando minha mãe me chamou. Peraí, mãe. Calcei minha havaiana e a atendi. Ela pôs o boné na minha cabeça e fui. Levando marmita pros meus irmãos e pro meu pai. O caminho até a pedreira era estreito, com mato dos dois lados e cobras cruzando meus pés.

Fui ficando grandinho e comecei a separar as pedras menores e jogar na caçamba, que seriam moídas pela máquina pra virar calcário. Depois aprendi a separar pedras brancas e pedras pretas. Não ganhava nada, é verdade. Eu achava aquilo bonito. E se achasse ouro ali?

Quando eu fiz quinze anos ganhei uma marreta, quase do meu tamanho. Agora eu era homem, e homem que é homem quebra pedra, bebe cachaça e come rapariga no cabaré. Eu era um menino naquele eito de macho, ficava admirado com o tamanho das pedras sendo quebradas. Um dia essa pedreira vai ser minha. Eu quero pelo menos gritar com todo mundo: Trabalhe direito, vá, quem tiver cansado pede as contas. Só gritar com os outros é muito bom.

O sol, o peso da marreta, a fome, a sede, me dão vontade de mandar meu pai tomar no cu. Aqui ele só manda, não é o dono. Eu sei que ganha nas minhas costas, o que ele me dá é nada. Sei que meu preço é maior. Tô combinando com Alceu de armar uma emboscada, empurrar ele nas pedras, no outro dia correr a notícia da morte e a pedreira ficar fechada.

Já foi o tempo que eu aceitava as coisas calado. Não sou criança não, véi. Quero o que é meu. Olha a minha mão, toda estourada de calo. Isso aqui já é o calo do calo. Já me chamaram pra roubar Correios nessas vilas por aí. Eu vou. Essa semana eu vou passar na casa do cába e confirmar.

Não tenho filho, nem mulher, preciso fazer minha vida. A idade chega, daqui a pouco tô aí com trinta anos engolindo pó de pedra. Se ao menos mãe fosse viva eu ia pedir uns conselhos. Mas não. Só tem aquele cavalo. Amanhã cumpro meu combinado.


Helimar é pernambucano. Nascido no interior, viveu a fase adulta no Recife. Em 2016, escreveu o livro Coração na sombra. Vive em São Paulo desde 2017. Participou como aluno do CLIPE da Casa das Rosas e Vocacional de Literatura. Em 2019, publicou Tubarão, seu segundo livro de poemas.