Ontem como agora
Se num segundo isto
ontem como agora
dizendo
vem devagar como quem
amanhecendo
espera
um nome sem lugar
a luz
atravessando cada órgão
apoteótica
um fim qualquer
e um corpo para viver
mesmo se
árvore sangrando
e a sede
com que entro aí
agora
não chega inteiro
o dia
natureza morta comparando
a palavra
a última distância.
O segredo de Orfeu
espera
já mo tinhas dito
e às estrelas também
como se o sol rodando
assim a cabeça
volta e meia ao mundo
um verso
e a promessa de um nome
que não sei cantar
mas
todos os anos avanço
catecúmena
à noite destinada
eclipse de asa recuando.
Ainda
Em vez do corpo definitivo
isto ou aquilo
sob um espaço delicado
– força do poema a abrir
violentamente o peito
mas
hoje há quem chame
órbita secreta
quando
tu e as minhas mãos
abrindo ruas
afinal
noite urente sem eixo
nascendo ainda.
Sofia A. Carvalho é doutoranda no Programa em Teoria da Literatura da Universidade de Lisboa e bolseira da FCT. Em 2019, publicou, em colaboração com o músico electroacústico João Castro Pinto, Hiante, um livre-affiche com a chancela da editora helvética Grimaces Éditions.