cinco poemas de rodrigo lobo damasceno

3 cantigas

      (Viento por los caminos
                  Brisa en las
alamedas)

Lorca

1.
eu vim da bahia
mas quem de lá
não veio, chegará:
vaqueiro na terra
marinheiro n'água
capoeira no ar:
a sina é bater perna:
eu vim da bahia, mas
             vou mais quem me leva

2.
onde eu nasci
passam rios
e cabras e carros
que cruzam
outras terras
(sou feito delas,
efeito delas):
eu vim da bahia, mas
            vou mais quem me leva

3.
terra seca
terra quieta
de noites
imensas
pé na estrada
depois
de pé de serra:
eu vim da bahia, mas
             vou mais quem me leva

o violero

para Eder

feito um mestre zen
     que não sou
não posso
     não quero ser quero ser
e querer
     quase nada
     pouco:
poder passar
passo a passo
lento
     mesmo
   que
um tantinho    temeroso
pelas terras
     (desconhecidas)
dos outros
(e
     com eles
tomar:
   licor
    comer:
o pão
     cruzar: a noite
     então
   depois
       de verso
maconha
e        canto
cair
    no
      sono sonhar
que minha
    canção
estourou
nos ouvidos
    sentimentais
do povo)

observação do céu

E estamos todos certos. E sem rumo.

  Antonio Brasileiro

Uma coisa é certa: sempre
    haverá dias   de merda;
de neve,   nunca; mas sim de
casas do norte cheias;
de certo       que haverá
noites de chuva –
e regue: muitas;
domingos de nuvens pretas,
de finais
       de campeonato e de fins
  de mundo, de
entardeceres atrozes e tretas,
sábados,
  segundas,
    terças – tudo,
      aos muitos, e muitas;
uma coisa é certa: cometas,
sempre haverá     canetas
revolvendo
            rumos
remexendo
tudo – é como diz o outro:
a verdade é uma só: são muitas
nossa casa é uma só: são muitas
a saudade é uma só: são muitas

noite de são joão

para Natália

O resto são fogueiras

       Fernando Pessoa

os devotos
            de são joão
             lançam bombas
do chão aos céus (subversivas
rasteiras       na lógica – polícia)
disparam
       pra tudo que é lado
   os balões e suas chamas
imprevisíveis
sufocam
    o tempo
       com pólvora
(e o menino sorri e a vida esquece)
cobrem
com        fumaça
           seus olhos
enchem a cara
   de licores
extraordinários
(o poeta come amendoim)
cantam cantigas

     minha fogueira acaba cedo
     é tronco, é fogo, é brasa, é cinza
     toda fogueira, esse menino
     é coisa, é coisa, é coisa antiga

       trocam socos
dão-se facadas
dançam     xaxado
                    xote         baião
dormem
            profundamente
    na linda
              longa iluminada noite do inverno
  tentando
esquecer
   que toda
    fogueira
     é uma saudade
      de brasa

     cinzas

casa no norte

(…) tua casa não é lugar de ficar
              mas de ter de onde se ir

    Max Martins

: é o que leio no letreiro luminoso
           (verde-cânhamo e vermelho-sangue
           por trás da névoa
branca)
refletido nos vidros
             e aços
de portões
             e janelas (molhados
na chuva meio
             ácida) das tristíssimas
padocas
                  da cidade – sim, sou eu,
            detrás
das lentes
           (embaçadas)
dos meus óculos
                      velhos
que trouxe
do norte,
lá de casa,
é outro


Rodrigo Lobo Damasceno nasceu em Feira de Santana (BA), em 1985, e vive em São Paulo desde 2011. Escreve poemas, contos, romances e ensaios. Às vezes, traduz. Junto com a artista Camila Hion, edita textos e imagens pelo selo treme~terra, onde atua também como artesão e feirante. Ao lado de Fabiano Calixto, Natália Agra e Tiago Guilherme Pinheiro, faz a revista de poesia Meteöro, publicada pela Corsário Satã. Os poemas aqui publicados fazem parte do livro Casa do Norte, que está em pré-venda pela Corsário Satã.