quatro poemas de cel bentin

(os títulos dos poemas vão ao fim)

i

Como toda noite.

Envergo uma roda
dentada onde afirmam
haver existido fardos
brancos dentes de leite

(Como toda noite,
há dor mordida
entre açúcares.)

Extraio de novo
o siso na ponta
cariada do lápis.

ii

Algo que sem dono

assina só os olhos
de quem o encontra

(risco sob a pálpebra
Sem o vestígio da íris)

tão confortável
quanto cortante

à minha frente

(rupestre
ancestral
& ilegível)

achado entre perdidos

– o silêncio.


Como quem guarda os dentes que perde.
Como quem dói a noite inteira.
Como quem
os devora.

eduardo lacerda

achado entre perdidos


i

em corpos
(de papel
precioso)

à prova
(de balas
de borracha)

é fatal
uma sentença
(bem didática):

na rasura
dum governo
(sem palavra)

é ré confessa
a vil política
(envenenada)

no (re)trato
do Professor
feito barata

ii

perante apelo de oração
popular e insubordinada
a Regência não admitirá
o exercício e o emprego
da conjunção democrata

Nessa concepção da sociedade,
no mundo, e sobretudo, neste país,
o homem é residual.

milton santos

do que sangra gregor (samsa)
[ou d’arrasura sem razão]


i

o passo
deserta
a chave

ii

caminho é verbo
de carreto e mira
que a si conjuga,
sobretudo quieto,
em todo o tempo

iii

ao fundo
dos olhos
e espelhos

nas janelas
do por volta
em teu avesso

quem reflete
se enxerga
mais cedo
????

iv

muito mais o gato
desencaixotando
prof. Schrödinger
que cão adestrado
a velar o comando
feito chave-mestra

v

movimentar é arma sutil
(sobretudo em repouso)

a que(m) reflete
[ou hoje e sobretudo]


i

Turbilhão na tarde molhada.

No garimpo escuro do dia
a água de pensar não sossega:
refina assombros, revela engenhos;
decanta o sussurro das pedras.

Só, assim, ela fica mais clara.

ii

De água doce ou areia, a gosto muito.
(Cama e boa paz largas demais
Desertam além das pernas.)

Prefiro entre
a compreensão do sentido e a do espaço,
o que provoca a ranhura dos cílios,
a dobradura das pálpebras.

A cada grão d´água e fio de areia,
o assobio diferente da respiração.

Pretensão?
Há uma maior,
a do oásis que vejo,

a recobri-la de nomes

tempestade


Cel Bentin, autor de Segredaria (Editora Patuá), integra antologias como a do Prêmio Cassiano Nunes, da Universidade de Brasília – UnB, a 29 de abril – o Verso da Violência (Editora Patuá) e Asfalto (Publicações Iara). É servidor do Ministério Público – SP, prepara seu próximo livro, Água Forte/Ponta Seca, e desenvolve o projeto @olugartefala, em parceria com o fotógrafo Gustavo Vilas Boas.