3 cantigas
(Viento por los caminos
Brisa en las
alamedas)
Lorca
1.
eu vim da bahia
mas quem de lá
não veio, chegará:
vaqueiro na terra
marinheiro n'água
capoeira no ar:
a sina é bater perna:
eu vim da bahia, mas
vou mais quem me leva
2.
onde eu nasci
passam rios
e cabras e carros
que cruzam
outras terras
(sou feito delas,
efeito delas):
eu vim da bahia, mas
vou mais quem me leva
3.
terra seca
terra quieta
de noites
imensas
pé na estrada
depois
de pé de serra:
eu vim da bahia, mas
vou mais quem me leva
o violero
para Eder
feito um mestre zen
que não sou
não posso
não quero ser quero ser
e querer
quase nada
pouco:
poder passar
passo a passo
lento
mesmo
que
um tantinho temeroso
pelas terras
(desconhecidas)
dos outros
(e
com eles
tomar:
licor
comer:
o pão
cruzar: a noite
então
depois
de verso
maconha
e canto
cair
no
sono sonhar
que minha
canção
estourou
nos ouvidos
sentimentais
do povo)
observação do céu
E estamos todos certos. E sem rumo.
Antonio Brasileiro
Uma coisa é certa: sempre
haverá dias de merda;
de neve, nunca; mas sim de
casas do norte cheias;
de certo que haverá
noites de chuva –
e regue: muitas;
domingos de nuvens pretas,
de finais
de campeonato e de fins
de mundo, de
entardeceres atrozes e tretas,
sábados,
segundas,
terças – tudo,
aos muitos, e muitas;
uma coisa é certa: cometas,
sempre haverá canetas
revolvendo
rumos
remexendo
tudo – é como diz o outro:
a verdade é uma só: são muitas
nossa casa é uma só: são muitas
a saudade é uma só: são muitas
noite de são joão
para Natália
O resto são fogueiras
Fernando Pessoa
os devotos
de são joão
lançam bombas
do chão aos céus (subversivas
rasteiras na lógica – polícia)
disparam
pra tudo que é lado
os balões e suas chamas
imprevisíveis
sufocam
o tempo
com pólvora
(e o menino sorri e a vida esquece)
cobrem
com fumaça
seus olhos
enchem a cara
de licores
extraordinários
(o poeta come amendoim)
cantam cantigas
minha fogueira acaba cedo
é tronco, é fogo, é brasa, é cinza
toda fogueira, esse menino
é coisa, é coisa, é coisa antiga
trocam socos
dão-se facadas
dançam xaxado
xote baião
dormem
profundamente
na linda
longa iluminada noite do inverno
tentando
esquecer
que toda
fogueira
é uma saudade
de brasa
cinzas
casa no norte
(…) tua casa não é lugar de ficar
mas de ter de onde se ir
Max Martins
: é o que leio no letreiro luminoso
(verde-cânhamo e vermelho-sangue
por trás da névoa
branca)
refletido nos vidros
e aços
de portões
e janelas (molhados
na chuva meio
ácida) das tristíssimas
padocas
da cidade – sim, sou eu,
detrás
das lentes
(embaçadas)
dos meus óculos
velhos
que trouxe
do norte,
lá de casa,
é outro

Rodrigo Lobo Damasceno nasceu em Feira de Santana (BA), em 1985, e vive em São Paulo desde 2011. Escreve poemas, contos, romances e ensaios. Às vezes, traduz. Junto com a artista Camila Hion, edita textos e imagens pelo selo treme~terra, onde atua também como artesão e feirante. Ao lado de Fabiano Calixto, Natália Agra e Tiago Guilherme Pinheiro, faz a revista de poesia Meteöro, publicada pela Corsário Satã. Os poemas aqui publicados fazem parte do livro Casa do Norte, que está em pré-venda pela Corsário Satã.