Dois poemas de Cesare Rodrigues

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Nimuendajú foi o nome que os Ofaié deram ao etnólogo
que os encontrou às margens do rio Paraná.
Na tradição ofaié, as pessoas recebem nomes com significados
como fumaça, profundo, menina ou sabiá
de acordo com a situação em que são recebidos.
De forma parecida, organizaram seu idioma
composto basicamente de substantivos e sem forma escrita.
Apesar de alguns atritos com os vizinhos Kaiowá,
os Ofaié eram pacíficos, belos e trabalhadores, segundo o etnólogo.
Dormiam na grama, furavam as orelhas e coletavam mel.
Em seu relato, Nimuendajú descreve fascinado a forma como faziam fogo
e narra algumas das histórias mais intrigantes da mitologia ameríndia.
Os Ofaié não dão nome a coisas abstratas como medo ou esperança.
Os últimos falantes do idioma devem ser exterminados nos próximos anos.
O trabalho de Nimuendajú foi incendiado dentro de um museu.

[sem título]

Depois de matar uma onça com as próprias mãos
um Bororo se cobria com a pele do animal
e folhas de palmeira
até ficar irreconhecível
então, junto do pajé, o homem-onça puxava a dança
acompanhado por toda a tribo
num bater de pés ritmado
noite adentro
a tribo e a alma da onça
até que chegaram os bandeirantes
atraídos pelo ouro
e as onças perderam a alma.


Cesare Rodrigues nasceu em São João da Boa Vista em 1984. É livreiro e autor de caso fossem ursos (2016) e da plaquete por um detalhe na organização dos átomos (2019).